Andando
pelas escolas públicas do Estado de São Paulo, vi um verdadeiro caos em relação
à educação: alunos que perderam a noção de respeito, que não tem a menor
paciência para aprender – são filhos da pós-modernidade de emoções e
necessidades instantâneas; professores desmotivados; pais ausentes; direção sem
autonomia – inerte muitas vezes pois algumas atitudes não podem ser tomadas por
causa das Leis que superprotegem os alunos (aliás quem vai proteger os
professores?); e governantes felizes por ver números positivos recordes na
educação (não se esqueçam que somos números e não gente), sem contar que mantêm
esta classe suburbana sob plena alienação.
Nesta
andança, conheci Antonio Quixano da Silva, professor de Língua Portuguesa há
uns 20 anos mais ou menos. Recebeu este nome porque seu pai, ex-professor, era
fanático por Cervantes. Ele começou a ministrar aula um ano antes de se formar.
Aos poucos foi se desenvolvendo até se tornar um grande professor: era
exigente, criativo, enérgico, amigável. Entre os professores virou referência;
entre os alunos o melhor; entre os pais o mais confiável – tanto que muitos o
procuravam em vez do diretor para resolver problemas com alunos.
.Nunca
quis fazer pós-graduação, achava desnecessário já que estudava por conta
própria e não acreditava em títulos de honraria. Não havia um assunto que não
conhecia pelo menos um pouquinho: até em exatas ele se “virava bem”.
Aulas,
tinha poucas. Solteiro sem muitas despesas e ambições sociais, preferia ter
poucos alunos para dar uma boa aula. Em relação a isso estava sempre
atualizado, lia sempre artigos e livros a respeito de novas didáticas de
ensino. Tinha uma opinião sobre os autores:
— Acho
legal ler estes teóricos, mas tenho a impressão que alguns autores criam suas
teorias atrás de uma mesa cheia de livros de outros países que não tem a mesma
cultura que a nossa. Não digo que são totalmente descartáveis, longe de mim
dizê-lo, porém o dia-dia está longe do que eles pintam... Aproveito o que me é
útil.
Me contou
algo interessante. Passava ele no corredor de um dos blocos da escola e ouviu
um comentário de uma professora, após as mudanças pedagógicas que ocorreram na
metade da década de 1990’;
disse, a professora, aos alunos que eles não precisariam mais estudar tendo em
vista que não repetiriam mais de ano (referindo-se à Progressão Continuada).
(Aqui
vou fazer um grande parêntese nesta crônica para levantar um questionamento. Os
tradicionalistas dizem que o caos na educação é de responsabilidade da
Progressão Continuada. É, eles têm lá sua razão, mas antes dela a educação era
melhor? Acho que não. Aliás nós íamos à escola para aprender ou passar de ano?
Vai me dizer que seu pai ou sua mãe nunca te ameaçou de não dar presente no
final de ano se não passasse? Se não ameaçou, com certeza conheceu algum
amiguinho(a) no qual os pais ameaçavam, não?)
Voltando
à Antônio, ele não percebeu as mudanças que iam acontecendo aos poucos; era um
sujeito que poderíamos chamar de desligado. Ainda assim sempre que um professor
reclamava vinha com palavras otimistas. Sim, ele era um educador de verdade, um
entusiasta, não aceitava a desistência e reclamação dos colegas e dizia antes
de cada aula:
— Cada
dia é uma batalha.
Certo
dia quando um aluno lhe respondeu, ele acabou mandando-o para fora da sala. O
aluno disse que não ia; então ele pegou o aluno pelo braço e o levou para
diretoria. No dia seguinte além de ter que deixá-lo voltar a sua aula sem
nenhum tipo de punição ao aluno, recebeu uma advertência verbal do diretor da
escola (o diretor tinha metade da experiência dele, mas tinha um título maior).
Ele achou um absurdo esta situação, não se conformava com que ocorrera “que
mundo nós estamos?” pensava (não sei meu amigo, não sei).
O pior
de tudo ainda não contei, uma semana depois ficou sabendo que tinha sido
processado pelos pais do menino por agressão, “que agressão?”. É meus amigos,
os pais não educam seus filhos direito, jogam a responsabilidade para gente,
mas quando somos mais enérgicos eles nos processam.
Alguns
meses e muitas audiências depois, num dia aparentemente normal ele chegou na
escola e disse coisas sem muito nexo, achamos que estava desgastado com o
processo, mas como sempre terminou:
— Cada
dia é uma batalha
Foi em
direção a sua sala com a cabeça empinada, sem falar com ninguém. Estava meio
estranho e levava uma régua, dessas de um metro que professores se utilizam
para fazer desenhos na lousa.
Neste
período ele tinha um estagiário, que, aliás, fora seu aluno. Ao entrar na sala
empunhou a régua para o alto, gritou ao estagiário olhando fixamente para a
sala:
—
Sancho veja!!! São gigantes e temos que derrotá-los.
Como
estavam estudando Cervantes, o moço acreditou ser mais uma de suas táticas
didáticas.
Mas ele
continuou:
— Vamos
Sancho!!! Não fique parado.
E avançou em direção aos alunos, dando
reguadas nas carteiras.
O rapaz desesperado o segurava e dizia:
— Não
professor, não são gigantes, são apenas alunos.
É...
Foi internado e morreu pouco tempo depois, não se sabe do que.
Desde
então recebeu a alcunha de Dom Quixote de Los Libros.
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Tá
certo, esta história não é real, mas bem que não seria nada de estranho se
fosse.
Um
beijo do Magro, fui…
ps. Este texto foi
escrito e postado no Mike Łٳ†€rά†μى em 24/08/2009. Leia outras crônicas antigas aqui